sábado, 28 de fevereiro de 2009

Problemas clássicos

Existem problemas que são praticamente milenares na matemática, entre eles estão os famosos problemas de torneiras. Veja alguns exemplos abaixo:

Torneiras

Os problemas envolvendo torneiras que enchem ou esvaziam tanques existem no imaginário de muitos, uma vez que a determinada altura estes eram muito comuns no ensino da matemática em Portugal.
Um problema tipo de torneiras é o seguinte:

Uma pipa tem 4 tornos e destapando o primeiro torno esvazia em 6 horas e tapando o primeiro torno e destapando o segundo esvazia esta pipa em 5 horas e tornando a tapando este e destapando o terceiro esvazia a dita pipa em 4 horas e tapando o terceiro e destapando o demais que é o quarto esvazia esta pipa em três horas. Ora eu pergunto, destapando todos os quatro toros em quantas horas esta dita pipa fica vazia.

(Gaspar Nicolas, fol 62 v. e 63)

Esta versão do problema é retirada da primeira aritmética impressa em Portugal, cuja primeira edição é de 1519.

A primeira versão do problema

A primeira versão deste problema parece ter aparecido praticamente em simultâneo tanto na Alexandria como na China.
Na Alexandria, Herão (10? - 75?), no seu livro Metrica, enuncia dois problemas envolvendo cisternas, os quais, segundo David Singmaster, têm resoluções confusas e erradas.
Na China, o problema aparece no capítulo VI do livro Nove capítulos da Arte Matemática, de cerca do século I a.C. Ao contrário do que acontecia no livro de Herão de Alexandria, a solução, aqui apresentada, é correcta:

Um reservatório tem cinco canais que o enchem de água. Quando, apenas, o primeiro está aberto, o reservatório enche-se em 1/3 de um dia. O segundo canal enche o reservatório num dia, o terceiro canal em 2 1/2, o quarto em 3 dias e o quinto em 5 dias. Se se abrirem todos os canais, quanto tempo levará a encher o reservatório?
Solução: Em 15/74 dias

Problema 26 do capítulo VI, de Nove Capítulo da Arte Matemática



O problema nas diferentes civilizações

Grécia
O problema aparece nos textos do matemático grego Diofanto (sécúlo III).
A Antologia Grega (cerca do século V), contém quatro problemas envolvendo fontes (ou bicas) de água e de vinho.

Índia
O manuscrito de Bakhshali contém vários problemas deste tipo, incluindo um com 7 proporções diferentes.
O autor hindu Brahamagupta, séc. VII, no seu livro
Brahmasphutasiddhanta apresenta o mesmo problema, com quatro fontes a encherem uma cisterna.
O matemático hindu Mahavira, do século IX, no seu tratado Ganita-Sâra-Sangraha, apresenta também uma versão deste problema, com 4 torneiras a encherem um poço.
Mais tarde, no século XII, Bhaskara II, no seu livro Lilavati, apresenta exactamente o mesmo problema no verso 104.

Arménia
O matemático arménio, Anania de Shirak (século VII), apresenta o seguinte problema, onde um reservatório de água é cheio através de 3 diques.

Há um reservatório em Atenas.
Se abrirmos o dique A, o reservatório ficará cheio numa hora. Abrir o dique B, encherá o reservatório em 2 horas, e abrir o dique C, encherá em 3 horas. Quando estará o reservatório cheio de água se abrirmos os três diques?

(citado por Shen Kangshen et al.)
Europa
Maior parte das aritméticas publicadas na Europa a partir do século XIII continham uma versão destes problema.

Outras versões do problema

Este problema, como muitos outros, embora tendo inicialmente sido formulado tendo em conta questões da vida diária, evoluiu e sofreu transformações.
No livro de Gaspar Nicolas, citado acima, aparecem, além de uma versão com uma pipa com 3 tornos, as duas versões seguintes, cujo contexto muda radicalmente:

Uma nau vai daqui de Lisboa à ilha da Madeira com três vela que tem, desta maneira: com a primeira vela vai à ilha em três dias, com a vela mais pequena e com a outra vela maior vai à dita ilha em dois dias e com a outra vela maior vai à ilha em um dia. Ora eu pergunto, desferindo todas as velas e sendo o mar e o vento todo da mesma maneira em quantos dias estará esta nau na dita ilha.

(Gaspar Nicolas, fol 63 v.)

Filippo Maria Calandri (1485)

Se te disserem que um homem quer fazer uma torre de pedra e um pedreiro prometeu-lhe a fazer em três dias e outro prometeu fazê-la em dois dias e outro em um dia e o senhor da torre mandou que todos os três trabalhassem na torre para que ser feita num tempo mais breve. Ora eu pergunto, em quanto tempo será feita a dita torre.

(Gaspar Nicolas, fol 64.)


A influência do comércio marítimo levou muitos autores a apresentarem versões como a de Gaspar Nicolas, sobre as naus. Muitas outras versões aparecem nas aritméticas europeias medievais e da época renascentista, e mesmo nos manuais escolares do século XX.
O problema foi, evidentemente, sofrendo diversas modificações ao longo dos tempos.

Uma das primeiras versões que apareceu na Europa, foi a seguinte versão, incluída no livro de Fibonacci, Liber Abaci (século XIII):

Um leão come uma ovelha em 4 horas; um leopardo comê-lo-á em 5 horas e um urso de 6 horas. Se se der uma ovelha aos três, quanto tempo demorará a devorarem-na?

Esta mesma versão aparece noutros textos, os animais, ou os tempos podem variar mas essencialmente a versão é a mesma. Por exemplo, a seguinte versão aparece no livro de Pietro Cataneo, Le Pratiche, 1546:

Um leão come uma serpente em 2 horas; um urso comê-la-á em 3 horas e um leopardo em 4 horas. Se se der uma serpente aos três, quanto tempo demorará a devorarem-na?

No manuscrito de Filippo Maria Calandri (1485) aparece o seguinte problema:

Um leão come uma cabra em 2 dias; uma raposa come-a em 3 dias e um lobo em 5 dias. Quanto tempo levam os animais a comer a dita cabra?

No manuscrito de Chuquet (1484), aparece a seguinte versão:

Se deve cortar a erva de um prado.
O pai diz ao filho: “Se me ajudares durante 8 minutos, conseguirei cortar a erva em 20 minutos.”
O filho responde: “ Se me ajudares durante 10 minutos, conseguirei cortar a erva em 15 minutos”.
Quanto tempo demora cada um a cortar a erva sozinho?

Na aritmética, Larismetique nouellement composee, do matemático francês Estienne de la Roche, discípulo de Chuquet, de 1520, aparece a seguinte versão:

Um homem tem 100 cargas de trigo para moer em três moinhos que não moem todos da mesma forma, o primeiro moí-as em 4 dias, o segundo em 5 e o terceiro em 10.
Em quanto tempo os moerão entre os três e quantas cargas moerá cada um?

Na aritmética do inglês Cuthbert Tunstall, publicada em 1522, aparece o seguinte problema, cujo contexto é semelhante ao anterior:

De arte supputandi libri quattuor

Um moinho tem cinco rodas. A primeira roda moí 7 staria de cereal numa hora, a segunda roda moí 5 staria de cereal numa hora, a terceira roda moí 3 staria de cereal numa hora, a quarta roda moí 2 staria de cereal numa hora e a outra roda moí 1 staria de cereal numa hora. Em quantas horas moem todas juntas 50 staria?


Na aritmética do holandês Gemma Frisius, de 1540, aparece ainda uma outra versão do problema:

Um homem consegue beber uma pipa de vinho em 20 dias, mas se a sua mulher beber com ele, levará apenas 14 dias, quanto tempo demora a mulher a beber a pipa sozinha.

Na Arithmetica Practica, de 1604, do espanhol Jerónimo Cortés, aparece a seguinte versão, cujo contexto é semelhante ao anterior:

Se 4 flamengos bebem 10 cântaros de vinho em 3 dias, e 5 espanhóis bebem 20 cântaros em 6 dias, pergunta-se, bebendo todos juntos, em quantos dias beberão uma pipa de 60 cântaros?

Na Arithmetica, de 1682, do espanhol Andrés Puig, aparece a seguinte versão:

O Rei, nosso Senhor, mandou fazer uma fortaleza, para a qual mandou chamar 3 oficiais, o primeiro dos quais, com a sua gente, prometeu fazê-la em 20 meses. O segundo em 15. E o terceiro em 12 meses.
Pergunta-se, para que se faça em menos tempo, trabalhando os três oficiais juntos, dentro de quantos meses a têm acabada?


2 comentários: